A
qochra e a boina: jogar a “ser homem”
Na sua etapa
de etnólogo na Cabília Pierre Bourdieu tomou apontamentos sobre a qochra, jogo
praticado polos meninos da Ain Aghbel nos primeiros dias da primavera. Trata-se
dum caso exemplar de “exercício estrutural”, mediante o qual, da prática à
prática e sem passar polo discurso e a consciência, os meninos interiorizam um
mundo simbólico tornado corpo, numa lúdica lição de dominação masculina. Ao
começar o jogo o árbitro pregunta uma e outra vez de quem é a menina
–representada pola qochra, uma pelota de cortiço- enquanto nenhum dos jogadores
aceita a “paternidade” da mesma, com todas as obrigadas que isso suporia: uma
filha debilita o homem. Não fica outro remédio, pois, de rifá-la: o
desafortunado ao que lhe toque a qochra tem, à vez, que protegê-la das desonras
dos homens e endosar-lha, em condições honoráveis, a outro jogador. “Aquele a
quem toca com a sua moca dizendo-lhe “é a tua filha” não tem outra alternativa
que declarar-se vencido, à maneira de quem é momentáneamente o obrigado da
família, amiúde de rango social inferior, na que tomou esposa”. O “pai” procura
casar bem a filha para librar-se dela e reintegrar-se no jogo, mas os
pretendentes intentam o heroico rapto, o golpe de virilidade sem contrapartida:
o desprestígio do pai através do honor sexual da filha. “Aquele que perde o
jogo é excluido do mundo dos homens; anoa e pelota na sua camisa, que é igual
que tratá-lo como uma mulher à que se lhe fai uma criança” (1).
Embora duma
maneira mais informal, o jogo que faziam os meninos galegos com as suas puchas
também é um exemplo de socialização lúdica na lógica da virilidade masculina:
quando praticamente todas as crianças levavam boina desde mui pequeninhos,
brincavam entre eles a ver quem era capaz de cortar-lhe aos outros o viril
rabinho da pucha ao mesmo tempo que protegía o próprio. “Capárom-me a pucha…”,
lamentava-se, profundamente humilhado e entre as burlas dos demais, o
descuidado ao que cortavam o rabinho da boina (2). A boina, conhecida em
algumas paróquias como “o macho” (3), usava-se na medicina popular como símbolo
do poder masculino que expulsa o mal feminino do corpo da pessoa doente, numa
sorte de exorcismo sexual. Assim por exemplo, botavam fora o mal de olho duma
vaca fregando-lhe a pele com uma pucha de homem (4); como explicava uma labrega
a Lisón Tolosana: “O outro dia, há mui pouco (década de 1960), não arrancavam
os bois. Então o homem quitou-se a gorra, passa-se, dispensando a palabra,
polos colhões e depois cruza-se os bois. Passa-se a boina três vezes e fam-se
três cruzes… e arrancárom os bois” (5). Mas é no parto, o momento por
excelência do domínio do mal feminino, quando mais se empregava “o macho”: para
expulsar a placenta com o seu poder masculino (6), ou como defesa simbólica do
vulnerável recém nado, que apenas saia da casa com a boina do pai ou do avô
posta (7). Ainda, na mesma lógica sexual, a boina servia para esconjurar os
encantamentos das sedutoras mouras (8).
NOTAS:
1- Pierre
Bourdieu, El sentido práctico, Madrid, Taurus, 1991, p. 127 n. 18
2- Xavier
Castro, Historia da vida cotiá en Galicia, Séculos XIX e XX, Vigo,
Nigratrea, 2007, p. 95
3- Por
exemplo na Armenteira (Meis). Antonio Pereira Poza, Ritos de embarazo e
parto en Galicia, Sada, Ediciós do Castro, 2001, p. 80
4- Xosé
Ramón Mariño Ferro, La medicina popular interpretada I, Vigo, Xerais,
1985, pp. 168-70. Em Marim também se fazia nas pessoas o remédio de passar-lhes
três vezes a boina, conforme apontou Víctor Lis Quibén, La medicina
popular en Galicia, Madrid, Akal, 1980, p. 106.
5- Carmelo
Lisón Tolosana, Brujas, estructura social y simbolismo en Galicia, Madrid,
Akal, 1980, p. 203. Igualmente, em Combarro, quando uma vaca cai ao chão por
malefício “tira-se a gorra, passa-se polas partes íntimas e depois polo lombo
da vaca” ().
6- Fazia-se
em sítios como Bueu, Salzeda de Caselas e Ogrobe. Pereira Poza, cit., p.
88.
7- Na
seçom etnográfica da revista Nós (nº 137, III) recolhe-se este
costume em Negreira, mas era comum em todo o país.
8- María
del Mar Llinares, Mouros, ánimas, demonios. El imaginario popular gallego,
Madrid, Akal, 1990, p. 88.
un
texto de Carlos C. Varela.
Es
bastante probable que la primera entrada de este mes induzca a múltiples
interpretaciones que sin duda coexisten sin todavía conocerse. Tal vez, mi
intención no es cambiar esa ausencia. Para ello voy a traer dos textos. El
primero, el previo, de Carlos C. Varela, una indagación en la chistera. EL segundo, es un
poema con el que inicia el prólogo Luce Irigaray en Ser Dos, libro ignorado
por la biblioteca ignoria, bueno, en la biblioteca del hombre quisiera decir.
Prólogo
APENAS
RENACIDA DE ELLA
Tierra,
tú
que me cobijas pero con quien comparto,
tú
la fecunda de tantos y tantos hijos que no se parecen,
tú
que creces sin cesar, a veces en secreto, a veces a la luz,
tú
que llevas la semilla, la flor y el
fruto,
tú
que nunca dejas de restaurar la vida,
consagrándote
en cada época del año al devenir de lo vivo,
dejando
subir o trascender la savia,
evitando
que se derrame fuera de ti, si no es para el fruto maduro,
Tierra,
protégeme,
fiel.
Y,
cuando viene la primavera, ríes.
Murmuras
a través de las hojas y las flores.
Te
estremeces a través de los pájaros.
No
es el crecimiento rápido del comienzo del verano, sino la dicha.
No hagas estallar aún el esplendor de mitad de año, aún
estamos al comienzo
Es
el tiempo de lo inconcluso, de la sorpresa.
La
vida avanza en puntas de pie.
El
silencio persiste a pesar del canto de los pájaros.
¿Acaso
lo que crece dispone así de su futuro?
Existen,
en primavera, distancias infranqueables.
Ningún
espacio está todavía plenamente ocupado,
pero los espacios no están vacíos: están habitados por un
crecimiento invisible.
Allí
donde parece no haber nada, existe una presencia, o mil.
Es
lo uno, y lo múltiple; lo uno es múltiple.
Pero
la separación todavía no es tajante.
Las
raíces terrestres y las raíces celestes se unen sin usurparse
mutuamente
los límites.
Cada uno, cada una permanece en su lugar de nacimiento,
pero el todo se
[abre.
SER DOS
Luce Irigaray
ED
PAidós